O OMBRO PERTO DO QUEIXO

Por Ed Santos

Quando abri os olhos vi as copas das árvores. Eu não conseguia me mexer direito. Aquela sensação voltou e eu ficava sem entender nada quando acontecia, só depois. O gosto amargo na boca prevalecia sempre, e eu conseguia fazer um único movimento lateral com o braço direito, como se estivesse limpando a boca com o lado externo do punho, mas com o braço mais esticado e duro e o ombro perto do queixo. O Vanderley deu um pulo que quase deu com o pé direito na minha cara torta mas eu ali, nem me mexia. Minha boca beijava o vento e meus olhos fixos no nada. “Dona Mocinha! O Rogério tá dando ataque de novo”, eram as únicas palavras que eu conseguia ouvir ao longe, por uma voz conhecida, mas não conseguia identificar quem que estava ali gritando. E quem era Dona Mocinha? Sei que sempre que eu fazia aquele movimento com o braço, ouvia alguém chamando por ela: “Dona Mocinha! O Rogério...”.

Aquela cena apesar de estranha, era familiar. Quando a vista ficava turva eu tinha certeza que alguma coisa errada estava acontecendo, só não sabia dizer o que era. Apenas depois. E sempre acontecia quando eu sentia a falta do sabor adocicado do brometo de potássio.

Eu era epiléptico e tinhas uns ataques, uns surtos repentinos, acontecia quando menos esperava. A família toda sabia e quando aquele movimento involuntário estava pra acontecer, quando o punho e o cotovelo começavam a formigar, eu tinha vontade de sair correndo sem rumo. Até tentava avisar a quem estivesse ao meu lado, mas era em vão. Não dava tempo. Durante aqueles intermináveis dois minutos que durava aquilo, minha boca ficava feito losna. Mas eu tinha sempre a certeza de que tomava apenas chá de losna para as minhas diarréias e dores de estômago. Nunca abusei do chá. Minha mãe, sempre ia buscar umas folhas no fundo do quintal... Lembrei! Dona Mocinha era minha mãe! Então sempre que acontecia era a ela que chamavam. Lembro que a gente morava numa casa ampla. A sala e os quartos ficavam na parte da frente, enquanto os banheiros e a cozinha ficava nos fundos. Da janela que tinha na pia da cozinha, minha mãe ficava espiando a gente brincar no quintal. Éramos em sete irmãos, eu a Olívia, o Marcelo, o Tonho, a Jocelma, a Dalva que era a mais velha e o Danilo, que todo mundo chamava de Toró. Ele era o irmão mais novo e era diferente da gente. Tinha o cabelo mais claro, mais liso e os olhos levemente puxados, lembrando um pouco os traços de uma criança oriental. Um dia o Toró ficou caçoando do Flavinho, irmão do Cido, porque ele tinha botado uma lombriga pra fora no meio da rua enquanto empinava pipa. De repente o Toró viu aquele troço pendurado entre as pernas do colega e ficou rindo da situação. Tomou uma pedrada na cabeça que lhe renderam seis pontos.

Nesses dois minutos sem fim, consegui lembrar de todos os amigos que brincavam comigo e meus irmãos no nosso quintal. A gente ficava pulando de galho em galho, de árvore em árvore, e minha mãe lá na janelinha espiando. Lembro que a gente gostava de comer "uva japonesa". Tinha dois pés da árvore lá em casa e eram os mais altos. Deve ser de um deles que eu cai.

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