feliz cavaleiro andante

de Miguel Angel

A mão de Benjamin se abre, a arma fica assassinando o peito e, contra toda feitiçaria, os olhos do outro se abrem com assombro e terror nas pupilas. Benjamin sai do quarto aterrorizado, deixando para trás punhal, Marilda, medo e tragédia.
Ao anoitecer daquele dia, entre espasmos e gritos, o fazendeiro morre após agonia, sob os olhares impotentes dos condoídos empregados e da policia que acreditou em tudo que ela contou sobre o desconhecido assassino. A vila fica consternada pela notícia; mesmo tenso, o antigo bom humor de Benjamin se esconde nas ruas, mas assoma, abusado, nas mesas dos bares, onde ele brinda em segredo; quem vê, suspeita e nada comenta.
Dias depois do funeral, mascarando alma ditosa, mas inquieto demais, Benjamin sonha o caminho em direção da fazenda onde a amada o espera.
E hoje ele já cavalga o vento da noite. O brilho no olhar mitiga o cisco do remorso. Na algibeira: alegria, triunfo, amor total. A aurora começa a enfeitar o dia de luz e Marilda o aguarda. Agora a dez passos de seu cavalo, a sede da fazenda está coberta de estranha calma; a luz combalida do dia, ainda anuviada com nacos de noite de enterro, pouco ilumina.
Na soleira da porta que se abre de súbito à sua frente, a figura da amada traceja um espectro. Seus olhos se reencontram lagrimando amor, medo, culpa, e Marilda pensa:
Minhas entranhas desvelam filho de pai assassinado. Que a justiça dos homens não nos encontrem e perdão dos santos nos acompanhe. Me leva contigo antes que a bruxa que te governou, maldiga minhas entranhas.
Benjamin, feliz cavaleiro andante leva Marilda no lombo de seu cavalo em direção à madrugada, e seu tropel, abrindo trilhas na mata, se confunde com o bater dos três corações em fuga. E só um inocente.
Camuflado de voluntário nas tropas acampadas em Ouro Preto, Benjamin pretende continuar a fuga tão longa como a feliz liberdade que antevê. Despistarão seus perseguidores que, adivinha, logo virão atrás deles; procurando por Marilda, a família; por ele, a lei dos homens. – E à indulgência dos santos rezam ambos todo santo dia desde que fugiram.

Fragmento do romance Moscas e Aranhas de Guerra, de Dalton W. Reis

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