REFLEXÕES

Por Ed Santos


A água clara que caída do chuveiro, viaja pelo corpo de Clara, toma rumos que não me interessa, diante do que representa o banho. O banho de Clara é tudo, mas o chuveiro... Esse sim é fundamental. Já pararam pra pensar? A Clara já.
A Clara dá uma importância danada pro chuveiro dela. Chama de “meu amorzinho” o tal chuveiro. O prazer dela é chegar todo dia de noitinha, e entrar debaixo dele. É assim desde quando eu vi pra cá. Quando ela abre o registro parece iniciar um ritual. Parece preparar-se prum mergulho no mar. Engraçado é que ela faz até o gesto; junta as mãos como se estivesse pronta pra fazer uma oração e mesmo sem saber nadar, entra embaixo d’água. Tchbum!
Outro dia descobri porque a Clara gosta mais do chuveiro do que da água. Ela chegou do trabalho, e como de costume preparou-se pro banho. Levou a mão ao registro e ao girá-lo, o chuveiro recusou-se a brotar água. Clara enrolou-se numa toalha e foi interfonar: “Adalberto, não tem água no prédio?” Diante da negativa do porteiro, ela voltou ao banheiro e com lágrimas nos olhos, parou na minha frente. Não, ela não estava chorando pela falta d’água, e sim porque o “meu amorzinho” estava ali, inerte, sem sequer jorrar uma só gota do líquido precioso. Ela olhou bem pra mim e disse: “Quando eu era criança lá na roça, tomava banho no rio, ou na bacia. Agora que vivo na cidade, de que adianta ter todos os recursos, água encanada e tudo mais, se o ‘meu amorzinho’ não estivesse aqui pra me ajudar a tomar um banho? No rio daqui é que não entro!”
Entendi, naquele momento, o que o chuveiro representava para Clara. Pena não poder fazer nada para ajudá-la. Pena. Ela então chegou mais perto ainda e encostou a mão em minha face dizendo: “Ah, espelho, espelho. Só você pra me ouvir!”

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